domingo, 19 de março de 2023

Poema sobre a melhor parte

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Há no meio dos neo-religiosos um estigma contra Maria, não a mãe de Jesus, mas a irmã de Marta e Lazaro, de Betânia, amigos de Jesus,
na casa de quem ele costumava se hospedar a caminho de Jerusalém. 
O estigma se baseia numa passagem de Lucas, em que Marta reclama a Jesus porque Maria está ouvindo-o e não a ajuda nos serviços domésticos
Jesus responde: ‘Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; Maria escolheu a boa parte,
a qual não lhe será tirada’.
Os neo-religiosos usam esse texto para criticar Maria, que não cuidava dos serviços da casa, junto com sua irmã.  
Os neo-religiosos propõem uma ‘divisão sexista do trabalho’, segundo a qual o marido deve ser o provedor da família e a esposa a dona de casa, mãe, cozinheira, passadeira, lavadeira.
Mas, o problema aqui é sobre o direito da mulher à escola.
Maria estava ocupando um lugar ‘proibido’ naquela cultura o de ser discípula de um rabino judeu.
Imagina uma mulher na companhia de homens naquela época?.
Jesus lhe reconheceu esse direito ao ensino como a melhor parte.
É impossível mensurar o escândalo de ensinar mulheres no séc. I da nossa era!.
Os rabinos consideravam uma vergonha se dirigir a uma mulher!.
Mas para Jesus, o lugar de mulher é onde ela quiser!.
Essa Maria foi uma ‘Malala’ palestina. 
Marta reprovou Maria porque ainda não se livrara do estigma,
como quem diz: ‘Maria, lugar de mulher é aqui na cozinha, no fogão, no tanque, lavando, passando varrendo, servindo o homem e não na escola de um homem!’.
Ao que Jesus responde: ‘Marta, Marta!.
Você ainda não entendeu: a melhor parte é ser livre.
Livre do patriarcalismo, da submissão, das correntes, da inferioridade, das hierarquias, das leis de Moisés que apedrejava as mulheres quase todo sempre. 
Maria se libertou e, uma vez livre, ninguém poderá tirar isso dela!’.
Entenderam, ‘Martas’ e ‘Amélias’?.
Se vocês não assumirem seu lugar na sociedade, nunca sairão da cozinha!.
Mas se saírem, ninguém nunca mais poderá dominá-las novamente!.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Como somos maus

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Fiquei a manhã refletindo sobre nossa maldade.
Como o ser humano tem uma capacidade de produzir o mal contra seu semelhante.
Nossos preconceitos são notícia e parece que ficou bonito ser tolo.
As alunas que humilham uma colega de classe por ela ser mais velha,
o aluno que presenteia com uma esponja de aço uma professora negra, um deputado de peruca em zombaria com mulheres no país que mais mata mulheres no mundo.
Nossa maldade nasce no coração.
Vivemos em uma sociedade que virou uma escola da maldade.
Somos ensinados a vencer a qualquer preço, a valorizar coisas e não pessoas, a buscar lucro sobre a vida, a explorar e derrubar tudo ou todo que estive em nosso caminho.
No sul, vimos assustados o trabalho escravo que opera nas vinícolas.
Em São Paulo, bolivianos são explorados assim diariamente por grandes marcas de roupas. Fechamos a janela para a criança faminta e enchemos os viadutos de pedras, em aporofobia, para que nossos irmãos em situação de rua não tenham lugar.
Como somos maus!
Tudo começa com uma gotinha de indiferença, vai crescendo.
A ira vira raiva que vira ódio.
Se não formos vencidos pelo amor para o nosso próprio bem,
logo a gente está exaltando bombas atômicas.
Como quem fabrica armas, precisa fabricar inimigos e fortalecer a violência pois sem inimigo e violência não faz sentido se armar.
Somos induzidos diariamente a nos proteger de nossos iguais.
Nossas comunidades de fé precisam se tornar escolas de bondade.
É um desafio, já que também nossa religiosidade foi cooptada para a manutenção do status quo.
Se nós somos capazes de testar nossa psicopatia escolhendo vítimas para matá-las, e se invertermos a lógica?.
E se nos juntarmos para testar nossa empatia escolhendo gente para dar vida?.
Que tal testar sua capacidade de se compadecer?.
Você teria coragem de testar sua bondade em favor de alguém?.
Já pensou que louco seria!.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Hermenêutica

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Nosso povo tem uma dificuldade extrema de interpretar textos simples e atuais.
Ainda assim, muitos e muitas se arvoram intérpretes inquestionáveis de textos antigos, como a Bíblia, principalmente a Bíblia.
Salvo exceções, os textos são escritos para serem entendidos facilmente pelos leitores da época do escritor.
Isso não se aplica aos textos dos deuses e das deusas das universidades que escrevem mais para ostentarem que para serem entendidos, utilizando uma língua estranha ao povo chamada academiquês.
Mas fora isso, os textos são produzidos para serem entendidos.
Os leitores da época tendem a entender com facilidade e os de épocas distantes tendem a apresentar dificuldades,  necessitando de pesquisas, de outras leituras.
Diante do fragmento "e todos ficamos aprisionados em nossas casas, enquanto o vírus e o verme circulavam livremente", qualquer um de nós que vivemos a pandemia do coronavirus, no Brasil, entenderemos imediatamente do que o autor está falando e de cara entendemos qual é o  vírus e quem é o verme.
Leitores que tenham acesso a esse fragmento daqui a uns 50, 100 ou mais anos precisarão pesquisar sobre quem escreveu, de onde escreveu e quando escreveu.
Somente assim poderá entender.
No caso dos leitores estudiosos da Bíblia, livro com uns 2000 anos, vão precisar do auxílio de uma disciplina estudada nos seminários chamada HERMENÊUTICA.






domingo, 12 de março de 2023

Preciso de ajuda

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Preciso de ajuda, reconheço.
Preciso pedir ajuda, buscar ajuda.
Preciso me deixar ser ajudado.
Preciso viabilizar a chegada da ajuda que preciso.
Aprendi que o orgulho, a soberba, a presunção, a altivez podem impedir que a ajuda chegue a mim.
Aprendi que humildade não é humilhação.
Aprendi que não me torno refém de quem me ajuda em amor.
Aprendi não tornar quem me ajuda refém das minhas necessidades.
Aprendi que ajuda, ajudador e anudado, só combinam quando o amor lubrifica está engrenagem.
Preciso de ajuda e há ajuda que eu preciso facilitar a sua chegada até mim.

sexta-feira, 10 de março de 2023

Poema sobre os ciclos da vida

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Logo cai a noite para que haja um novo amanhã.
É a Terra dando voltas.
Nosso planeta gira em torno de si, numa dança sem fim.
As muitas voltas da terra em torno do sol nos presenteiam com as estações.
Ciclos climáticos que se desenrolam sobre nós.
O texto da sabedoria judaica fala em ciclos: há tempo de plantar e tempo de colher.
Os festejos de final de ano nos trazem a ideia do encerramento de um ciclo.
365 dias divididos em 12 meses em que você prometeu fazer dieta,
ficar menos na internet e ler uns livros.
Há ciclos sem data marcada,
mas que é preciso saber encerrá-los qualquer que seja a data.
Uma suposta amizade de quem te fere quando pode.
O fim de uma frequência litúrgica a um espaço da religião que consome sua paz.
O dia em que se resolve perdoar a si mesmo.
Para nós, encerrar ciclos é importante para que a gente respire coisa nova.
Não é curioso que o dia primeiro de Janeiro sempre tem cheiro de novidade?.
Não te parece estranho que um dia após seu aniversário você já se sinta bem mais maduro do que dois dias atrás?.
São marcos históricos que orientam a caminhada da vida.
Por isso é importante celebrar aniversários, festejar estações da vida, discernir finais e recomeços.
Recomeços assustam, mas têm cheiro de amanhã, de esperança e de maturidade.
Eu desafio você a tentar recomeçar sendo a mudança que você quer ver no mundo, se transformando na resposta da oração de alguém.
Não negue "o fim" dos ciclos "a fim" de florescer num novo amanhã,
com cheiro de vida.

quarta-feira, 8 de março de 2023

8 de Março

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O Dia Internacional da Mulher não é uma espécie de Natal.
Não é uma data de aniversário.
Não é nada assim que caiba um "feliz dia da mulher".
É o que acho.
É um dia em memória de uma luta que não tem fim.
É um dia para fortalecer essa luta.
E enquanto homens,
é um dia de nos juntarmos a essa luta.
Só existe racismo porque existem os brancos.
Só existe intolerância religiosa porque existem as três grandes religiões monoteístas. 
Só existe machismo porque nós, homens, existimos.
Somos feminicidas potenciais.
Somos machistas potenciais. 
Sem um MEA CULPA de nossa parte, nada muda.
Parabenizar mulheres pelo DIA INTERNACIONAL DA MULHER não reduz os números da violência doméstica, nem os casos de feminicídio, nem de estupros e de estupros maritais.
É preciso nos reeducarmos e educarmos nossos meninos.
É preciso tratarmos bem nossas mulheres e nossas meninas para que nossos meninos vejam e copiem.
O oito de março não precisa ser um dia diferente se há amor e respeito todos os outros dias do cano.
É um dia para lembrar, para repensar, para rever conceitos e práticas.
Eu sinto vergonha, enquanto homem,  de botar um "feliz dia da mulher",
nas minhas redes, vivendo num país com tanta violência doméstica contra a mulher, com tanto feminicídio; vivendo num estado em que as cidades de Duque de Caxias, Belford Roxo e Nova Iguaçu formam uma espécie  de tríplice aliança contra as mulheres, liderando o ranking da violência contra a mulher; Cabo Frio que lidera o ranking de violência contra a mulher em toda a Região dos Lagos; Tamoios que puxa o município para essa posição macabra.
Sinto vergonha.
Prefiro declarar para todas as mulheres que estamos juntos nessa luta.
Prefiro usar o meu lugar de voz para convidar outros homens a refletirem sobre seus comportamentos,
sobre a educação de suas meninas e de seus meninos.
Eu morei numa mulher por nove meses.
E ela me acolheu dentro e me acolheu quando saí.
Qualquer crime, maldade, machismo, violação que eu faça com qualquer mulher, estarei fazendo com ela também.
0 oito de março não é para lembrar uma festinha entre amigas, mas sim uma luta de mulheres operárias norte-americanas e europeias que não aceitavam mais jornadas diárias de até 16 horas de trabalho em fábricas e com salários menores que os homens; é para lembrar um dia de retaliação dos patrões;
um dia de mortes.
Não se diz para um judeu "feliz dia do holocausto".
A data serve para lembrar uma desgraça que não pode ser repetida, embora os próprios judeus o façam com os palestinos, respeitadas as proporções.
Da mesma forma não deveria se desejar um "feliz dia da morte de umas ancestrais suas", de umas companheiras suas de décadas atrás.
Romantizamos o Dia da Mulher.
Somos bons nisso.
A romantização também é uma forma de controle, de domínio.
São tantos maridos românticos e carinhosos que até ficam com o cartão de débito da amada esposa para ela não ter que se preocupar com essas bobagens.
Vivo num país que registra um caso de feminicídio a cada 7 horas e um estupro a cada dez minutos e que pelo menos 45% dos casos de violência contra a mulher não são denunciados por não confiarem na policia ou na justiça,
por medo de retaliação do agressor que poderá sair livremente do B.O. 
Enfim, parabéns a todas as meninas e mulheres pela RESISTÊNCIA. 

segunda-feira, 6 de março de 2023

Ele É

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O problema não são os evangélicos, assim como não são os católicos, muçulmanos, judeus, umbandistas, espiritas, xamanista, budistas, ateus, etc.
Se a pessoa gosta de música gospel, qual é o problema?
Se a pessoa gosta de ler o livro dos mórmons, ótimo. 
Não tenho religião, sou homem de pouca fé, mas os ritos do "religare" são lindos.
É preciso dizer o óbvio; há muito evangélico pentecostal progressista, solidário com as minorias, defensor da democracia.
Estes são a maioria.
Mas há também muitos religiosos fanáticos, inclusive católicos.
Em 1964, por exemplo, a marcha da TFP era composta por católicos;
e se hoje temos um Francisco,
é bom lembrar que já houve um João Paulo II.
Há também muitos ateus autoritários e que não respeitam as diferenças.
O problema não é a fé, mas a sua manipulação política, o fanatismo.
É óbvio?.
Mas é tão óbvio que muitos tememos o tal avanço dos evangélicos,
assim como há os que combatem as religiões afro-brasileiras.
No fundo mesmo, é preciso reestabelecer o Deus do amor,
aquele que para os cristãos está na carta aos Coríntios.
É preciso entender que Cristo foi, acima de tudo, um político, porque fez da palavra o instrumento para a transformação.
Podemos revirar o Novo Testamento por inteiro e não veremos Cristo segurando uma arma.
Cristo nunca amaldiçoou a prostituta, tampouco propôs que se eliminasse quem quer que fosse.
Cristo abraçou o leproso.
Deus não existe.
Ele é.
Nós existimos.
Uma ótima semana a todos e todas, que possamos reestabelecer o diálogo e dar à política o significado profundo que ela tem.
E que sejamos vacinados,
do vírus e daqueles que se vendem como mitos.

sábado, 4 de março de 2023

Poema sobre a proposta de Jesus

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Com todas as críticas que faço ao cristianismo, em especial ao movimento evangélico brasileiro, alguns me perguntam a razão de não ter desistido do evangelho.
Apesar das cruzadas, da Santa Inquisição, do fundamentalismo,
das bizarrices gospel,
meu coração segue apaixonado por Cristo e Sua mensagem.
O que me atrai no evangelho não são os dogmas impostos pelo cristianismo, nem mesmo sua doutrina repleta de sentido,
mas sua poesia.
Respeito a todas as tradições religiosas, mas devo confessar que em nenhuma delas encontro algo que soe tão doce aos meus ouvidos do que o conceito da Graça.
Haveria algo mais poético do que um Deus que deixa Seu trono de glória para vir ao encontro de Sua criatura rebelde para reconduzi-la aos Seus braços amorosos?.
O cristianismo se tornou no mais grave insulto a Jesus à medida que perverteu Sua mensagem e transformou o reino por Ele anunciado em um projeto de poder.
A cruz foi destituída de seu significado original,
sendo estampada nos armaduras e bandeiras dos colonizadores.
A Graça foi substituída pela meritocracia com sua hiper valorização da performance.
O amor cedeu lugar ao ódio e a intolerância contra os que não se adequem à sua moral.
Em vez de generosidade despretensiosa, a ganância insaciável responsável por destruir o meio-ambiente com sua sanha consumista e imediatista.
Apesar de tudo isso, sigo cristão, apostando minhas últimas fichas na proposta de Jesus.
E sei que não estou sozinho.
Estou em companhia de milhões ao redor do mundo que dariam sua própria vida para que esta chama  jamais se apague.
Somos a resistência.
Somos o remanescente.
O amor há de triunfar.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Grito dos excluídos

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Tivemos várias Marchas pra Jesus em diversos estados, mas Ele não foi em nenhuma.
Para o evento é ótimo que Ele não fosse porque, se Ele fosse, dispersaria a multidão no chicote,
como fez no templo 2 mil anos atrás.
E daria um sermão em todo mundo.
O povo ficaria confuso, argumentaria que em nome dEle curaram doentes, expulsaram demônios etc,
e teria que ouvi-lo dizer: “nunca os conheci”.
Oséias já tinha avisado que é por falta de conhecimento que o povo sofre.
A Marcha pra Jesus foi criada com motivação avessa ao Espírito do Evangelho, por aqueles pastores famosos que escondiam dinheiro dentro da Bíblia.
Queriam uma demonstração de poder.
Nos evangelhos, toda vez que o povo quis algo semelhante,
Jesus dispersou todo mundo.
A Marcha quer visibilidade e poder e sua bandeira é um moralismo barato e oco.
Os idealizadores e promotores são sepulcros caiados,
vendilhões,
víboras,
hipócritas e o povo,
por falta de conhecimento,
vai na onda, levados por todo vento de doutrina.
Jesus não vai à Marcha porque sua proposta foi sermos sal e luz e nos dispersarmos por aí,
salgando e iluminando com atos de amor e serviço.
Jesus não vai à marcha porque nos convocou pra "soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo, partilhar sua comida com o faminto,
abrigar o pobre desamparado,
vestir o nu que você encontrou,
e não recusar ajuda ao próximo”.
Jesus não vai à Marcha porque a pauta dEle é o amor e não um moralismo de quinta categoria ou o medo de fantasmas ridículos vestidos de vermelho.
Se não padecesse de falta de conhecimento, o povo saberia que há uma marcha na qual Jesus aparece. Acontece no 7 de setembro e chama-se Grito dos Excluídos.
Uma marcha profética que faz coro com a voz de Isaías e a do próprio Cristo: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres, proclamar libertação aos cativos, restauração da vista aos cegos, liberdade aos oprimidos".
Mas nessa marcha é raro ver um crente.
Jesus não vai à marcha porque não quer poder nem palco nem palanque, pois seu Reino é ação cotidiana e discreta de amor e serviço.
Jesus não vai à Marcha porque não seria bem vindo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Aceitar a Jesus

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O que é “aceitar a Jesus”?.
É levantar a mão depois de uma pregação?.
Seria participar de uma igreja cumprindo suas obrigações rituais?.
“Aceitar a Jesus” teria a ver com abraçar regras morais e comportamentais para adequar-se ao perfil de um determinado grupo?.
Será que Jesus está procurando ser aceito por alguém?.
Quando a gente “aceita Jesus” o combo da religião vem junto, faz parte do pacote?.
Ora, olhando para os Evangelhos, encontro em certas passagens Jesus desafiando pessoas a “aceitá-lo”, como foi o caso dos discípulos.
Em outros textos, vejo que seu chamado não foi aceito,
como no caso de Lucas 9:57-62, onde três pessoas encontram justificativas para não ir adiante com ele.
Já há situações, como a do Endemoninhado Gadareno, onde o próprio Jesus diz ao homem para ficar em sua comunidade e ali testemunhar o que Deus havia feito por ele, impedindo-o, portanto,
de segui-lo, conforme era seu desejo.
Ora, é sabido que entre os tantos que seguiram a Jesus, muitos o deixaram, sobretudo, por causa de suas palavras, que eram chocantes aos olhos da religião de Israel.
Eu penso, também, que houve pessoas que desejavam seguir a Jesus, mas por uma infinidade de circunstâncias, isso não lhes foi possível.
E houve, ainda, os casos dos que “aceitaram a Jesus”, mas permaneceram onde estavam,
foram sal e luz no lugar que já habitavam.
Estou colocando isso porque é muito comum as pessoas “aceitarem Jesus” em suas mentes, mas jamais o aceitarem em seu coração,
uma vez que aceitá-lo implica em viver como ele viveu.
Você pode “andar” com Jesus e nunca ser seu discípulo,
pode ir a igreja, ao culto, a célula de discipulado, aos programas,
e ainda assim, nunca ter “aceito a Jesus”, pois essa decisão tem a implicação insubstituível de abraçar na consciência seus valores e princípios para a prática no chão da vida, e não apenas se adequar ao molde da cultura religiosa de um grupo.
Nestes dias que vivemos, encontro muito mais gente que “aceitou a Jesus” fora das igrejas,
do que dentro, os que estão fora se parecem muito mais com ele, dos que os que lhe juram amor e serviço,
mas fazem tudo ao contrário do que ele ensinou.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Hakuna matata

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Era dia de Páscoa e o Mestre estava reclinado à mesa com seu conjunto de pessoas covardes.
A última ceia não era um encontro de notáveis, de uma elite religiosa e moral.
Era a ceia dos pecadores,
dos medrosos,
dos fujões,
dos fracos,
dos teimosos,
dos que negam,
dos que fogem,
dos que abandonam quem amam para salvar a própria pele.
E o revolucionário carpinteiro inaugurou a mesa para essa gente e os braços, sem restrições e julgamentos, e os convidou a todos para partilharem ali de sua vida, entregando-se por inteiro a todos eles, incluindo Judas, o mais notório dentre os traidores, que veio tornar-se boi de piranha da cristandade.
Porque ali, naquela mesa,
meus amigos, não se salvava um.
Eram todos Judas.
A única e lastimável diferença é que o Iscariotes, por ter sucumbido à vergonha e tirado a própria vida,
não teve tempo de perceber em vida que já havia sido plenamente e eternamente perdoado,
que fora graciosamente aceito à mesa junto com todos os demais. 
Não se engane, meu irmão.
Não existe ceia de santos.
Pelo menos não com Jesus.
A ceia dos perfeitos, dos superiores, dos que julgam os outros do alto de sua respeitável posição,
dos que batem no peito e dizem “obrigado, Deus, porque não somos como aqueles pecadores ali”,
essa ceia não conta com a presença do Mestre.
Essa é a ceia dos arrogantes e essas pessoas não se rebaixam a sentar à mesa onde Jesus está oferecendo sua carne e seu sangue.
A ceia de Jesus é a dos que dizem, prostrados: “tem misericórdia de mim porque sou pecador”.
Dos que, sabendo quem são, conhecendo suas limitações,
suas carências,
suas falhas,
seus horrores,
sua mediocridade,
sua canalhice, ainda assim e por isso mesmo querem andar com Jesus, porque carecem dele e de suas palavras de amor, perdão e graça.
É a ceia dos que ouviram o convite carinhoso e desafiador - “se alguém quer vir comigo… me siga” - e, voluntariamente, fascinados pela figura cativante do carpinteiro de Nazaré, negando-se a si mesmos largaram o que tinham e o que queriam para si que era o que os tornava infames para segui-Lo.
E, ao segui-Lo de mãos vazias tornaram-se parte Dele mesmo o Corpo de Cristo simbolizado na ceia, a comunidade daqueles que se parecem com Jesus porque aceitam em sua mesa o mesmo tipo de gente que ele aceitou, e com eles repartem suas vidas, e por quem,
como o Mestre, entregam suas vidas.
Esse chamado insano para sair por aí abraçando, perdoando e convidando à mesa covardes, canalhas e traidores não é, obviamente, um chamado light para uma vida boa.
É antinatural.
Chega a ser ofensivo.
Mas assim é o amor que mudou o mundo.
Não tem explicação, não tem lógica.
Mas Jesus continua, num sussurro constante, convidando: “se alguém quer vir… me siga”. 
O problema é que vivemos dias turbulentos, barulhentos.
Vivemos no horror do ruído constante.
A onipresença e a urgência da comunicação nos sugou para um turbilhão de muitas vozes.
A gente consubstanciou a paranóia. Materializamos a esquizofrenia.
O paranóico é aquela pessoa que tem a sensação de ter alguém sempre ao seu lado, que ouve vozes insistentes, ameaçando, exigindo, tramando, berrando.
Pois agora essa sensação se fez carne e habitou entre nós nos incansáveis dispositivos móveis e suas inesgotáveis redes sociais.
E a gente não tem mais como ouvir a voz de Deus que é a voz do amor, que sopra no silêncio e na quietude da brisa suave.
Não temos como ouvir nem mais a nossa própria voz, que sussurra discreta e constante em nosso peito.
Muito menos ouvir a voz do outro,
do irmão,
do próximo,
do vizinho,
de quem precisa.
Assim como a mais profunda solidão se encontra no meio da multidão,
é no ruído constante que habita o silêncio mais ensurdecedor.
Não é a toa que Isaías (Is 30.15) diz que nossa salvação está “no arrependimento e no descanso” de quem sabe que é um covarde traidor, mas sabe que Jesus entrega seu corpo e sangue para covarde e traidores, e nosso vigor está “na quietude e na confiança” de quem sabe que carece desse silêncio tranquilo, pois só nesse lugar quieto e tranquilo é possível ouvir a voz do Amor, ouvir a si mesmo e ouvir o próximo.
E é só assim, nessa condição, que a ceia de Jesus faz sentido.
Só assim pode haver entre nós alguma semelhança com o Cristo.
E se você é dos que, como eu,
ao ouvir o convite do Mestre se alguém quiser… - diz, entre lágrimas, “eu quero”, meu amigo, saiba,
essa jornada é para que Ele seja formado em nós.
Não para sermos melhores que os outros, julgando e condenando o próximo, não para sermos melhores que ninguém a não ser nós mesmos, cada dia um pouco mais parecidos com Ele, aos trancos e barrancos.
Os cristãos não deveriam ser conhecidos como os guerreiros da moral e dos bons costumes nem como os incansáveis guardiões da família tradicional, mas sim como a Comunidade do Amor,
dos relacionamentos desinteressados,
da aceitação,
da tolerância,
do cuidado mútuo.
É pela liberdade,
pela mutualidade,
pela interdependência amorosa,
pelo serviço abnegado que devemos ser lembrados.
Foi essa a mais transcendente marca que Jesus deixou.
Foi assim que igreja de Atos se tornou conhecida.
E é nesse, e só nesse contexto que a ceia surge como símbolo,
lembrança, reforço e recompromisso de quem quer colocar o corpo e o sangue de Cristo para dentro de si.
Não para fazer parte de um clube de santos, mas para seguir os passos d 'Ele até a cruz. 
Se você ouviu o sussurro do Mestre, largou suas coisas e foi atrás das pessoas, abra uma garrafa de vinho, convide uns amigos e reparta com eles sua vida.
Depois abra os braços sem problemas, 
as portas sem se preocupar,
a mente sabendo que tudo ficará bem,
a alma,
abandone os medos,
os julgamentos e os preconceitos e contagie o mundo com o amor de Jesus.




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