sexta-feira, 31 de julho de 2020

Poema sobre a multidão

.



A multidão que se chama parlamento nunca se sente tão feliz quando pode calar com gritos aquele que tem grande eloquência, aquele que fala muito bem ao ponto de derrubar um ministro.
A multidão que se chama comício agita-se e exalta-se,
mal um grito a incita a bradar abaixo sob as janelas de um inimigo ou a reclamar a cabeça de um indivíduo odiado ou ainda a queimar qualquer símbolo do poder, quer se trate de um panfleto que descreve texto curto, violento e sensacionalista que queira um palácio de justiça.
A multidão reunida num teatro que dá pelo nome de público pode aplaudir uma peça nova, mas, quando estimulada,
não hesita, não expressa dúvida em condenar e precipitar à força de vozes aguda, gritos de dor contínuo e assobios quem supunha tê-lo conquistado e ser-lhe, pelo engenho, superior.
No fundo, toda a multidão é um público, que não quer dispersar sem ter assistido a um espectáculo.
No entanto, selvagem como é, prefere os espectáculos trágicos; sente o circo dos gladiadores, prefere aqueles que se envolve numa briga ou controvérsia pública, ou em torneio, mais do que a fábula pastoral.
Quando se animaliza, quer sangue pelo menos, vê-lo, quer guerra quase todos os santos dias.
Estar entre muitas greves a sensação de força, ou seja, da prepotência e,
ao mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.


O ser humano reaprendendo a ser humano

.



A crise do novo coronavírus veio mascarar milhões de brasileiros e desmascarar nossas fragilidades pessoais, além de escancarar nossas debilidades sociais e nossas instabilidades econômicas.
De modo que já é possível fazer um breve balanço de algumas transformações que a epidemia nos impôs e algumas lições que ela nos trouxe.
Diminuir o abismo entre os desassistidos e os privilegiados é uma delas.
A desigualdade e a concentração de renda não são agendas políticas ou ideológicas.
São problemas reais sobre dramas e pessoas que precisam ser enfrentados e solucionados com espírito público e responsabilidade civil.
Temos problemas difíceis que já existiam e que finalmente passaram a nos preocupar.
Temos problemas antigos que nunca nos mobilizamos para resolver.
Um dos efeitos colaterais da COVID-19 foi despertar esse sentimento de urgência a favor dos despossuídos, um sentimento que passou a pautar as autoridades e o noticiário.
A epidemia nos reensinou a experiência de enxergar o outro,
respeitar o outro, repensar a solidariedade ao outro e reagir diante da emergência do outro.
Vai ser interessante ver mais gente voluntária socorrendo mais gente vulnerável.
Outra lição é a certeza de que precisamos, sim, de mais hospitais do que mais estádios de futebol.
E, dentro dos hospitais, precisamos, sim, de mais médicos e enfermeiros bem remunerados e bem equipados.
E precisamos, sobretudo, de mais respeito e valorização aos profissionais da saúde de todos os níveis.
Esses que, na hora das situações muito difíceis, deram demonstração de entrega, coragem, dedicação e abnegação virtudes que não se vê entre
jogadores nem entre políticos.
Também gosto da ideia de que a noção de solidariedade melhorou,
da ideia de que estamos mais ligados;
de que tivemos a oportunidade de repensar nossas relações e separações. Quem ficou mais tempo junto teve prazer, ou teve que reaprender a conviver. Passamos a repensar o que "deixar passar”, o que “deixar para trás”,
o que “deixar para depois”… e perceber que chega uma hora que “não tem mais depois”.
Passamos a nos dar conta de que nesse mundo confuso, muitas vezes a nossa maior e melhor companhia é a nossa própria família, ou somos nós mesmos. Importante ainda o aprendizado de que muitas vezes a gente reclama do trabalho, do emprego ou do patrão,
e que pior do que o trabalho, o emprego ou o patrão é de uma hora para a outra ficar sem nada...sem nada do que reclamar.
Há suspeitas de que o combate ao novo coronavírus vai servir para redefinir o nosso caráter, a nossa geração ou pelo menos as futuras gerações.
Há quem acredite que, no mundo que sobrar, ou no que sobrar do mundo e da economia, a humanidade vai mudar.
Fato mesmo é que o planeta precisa de paz, o Brasil precisa se reconciliar, o Brasil precisa se curar.
Que a gente não se esqueça disso,
de tudo isso, quando tudo passar.
Qualquer que seja a crise, é sempre vital ter alguém dando ordens claras, respostas objetivas, diretrizes firmes e determinações consistentes.
Um gesto simbólico de pulso, força e comando pode resultar no resgate ou na salvação de milhões de pessoas.
Um gesto equivocado de egoísmo, ignorância e irresponsabilidade pode resultar no massacre ou no extermínio de milhões de vidas.
No momento em que escrevia esse texto, eu não fazia ideia sobre qual gesto iria prevalecer.



Postagens mais lidas