segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Poema sobre os novos crucificados

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Como falar do Crucificado enquanto se ignora os crucificados?.
Jesus não foi o único a ser vítima de um sistema opressor que se achava no direito de matar quem quer que se insurgisse contra a sua tirania.
Em um único dia, legiões romanas crucificaram cerca de 6 mil homens ao longo de 200 quilômetros para conter uma rebelião.
Mas creio que Ele tenha sido o único crucificado a preocupar-se com o destino de quem era crucificado ao Seu lado.
Se os evangelhos fossem escritos por alguns pregadores de hoje, certamente a presença daqueles dois crucificados ao lado de Jesus seria suprimida.
Afinal, pegaria muito mal para o "fundador" de sua rentável religião ser crucificado ao lado de dois meliantes, não é verdade?.
Mas assim como os relatos dos evangelistas não ignoraram a presença dos que foram crucificados ao lado do seu Mestre,
não deveríamos jamais ignorar os que seguem sendo crucificados hoje, entre os quais, podemos destacar as minorias marginalizadas e privadas de seus direitos essenciais, incluindo os Yanomamis, vítimas do descaso genocida do governo anterior.
Não é por acaso que a imagem de um deles em estado grave de desnutrição nos remeta à do Crucificado.
O tratamento que dispensamos aos povos originários,
aos negros,
aos imigrantes,
às pessoas com deficiência,
depõe contra nós como sociedade. Se não somos os "romanos" a fazerem o trabalho sujo, somos os que gritam no pátio de Pilatos: "Crucifica-os!".
Quando não, somos os que assistem apáticos ao suplício de nossos semelhantes, sem considerar que podemos ser as próximas vítimas.
A semelhança entre o Cristo Morto, e o índio Yanomami não é mera coincidência.
Ambos estão despidos de suas humanidades bem como de suas divindades.
Ambos trazem no semblante a dor do abandono.
Ambos, cadavéricos e rígidos,
estão carregados de sofrimento.
Ambos, insepultos.
Diante do índio moribundo estamos nós, e não há como fugirmos dele, fingirmos que não o vimos.
Vimos!.
E em carne e osso.
Pouca carne, muito osso.
Carregado de muitas e indizíveis dores. 
Ah, sim, ouso o profeta Isaías:
“(…) não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele,
não havia boa aparência nele,
para que o desejássemos.
Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores,
e experimentado nos trabalhos;
e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado,
e não fizemos dele caso algum.”
Aí você me dirá: é sobre Cristo que Isaías está falando.
Daí eu lhe direi: sim, eu também.
Porque quem não viu Jesus nesse Yanomami não o verá em nenhum outro lugar.


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