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É simbólico quando um menino que mora num assentamento deseja uma casinha.
Não é no papel, nem na lousa,
é na terra que o cerca por todos os lados.
No pó que lhe entope as narinas.
Onde o pequeno vive, não há água encanada.
A cisterna seca sempre.
É preciso emprestar água de quem tem.
Nem energia elétrica, nem esgoto.
Ao lado do campinho esburacado,
a única árvore que faz sombra aquele pedaço de chão.
Entre duas cidades, ninguém quer aquele assentamento com gente trabalhadora que madruga para a colheita do tomate, sob um sol escaldante, pra ganhar quase 100 reais e um câncer de pele.
"Somos a terra do Nem", me diz um morador.
"Nem uma cidade, nem outra.
Ninguém nos quer".
De pés descalços, correm as crianças para as aulas de futebol.
O único divertimento para elas que vivem num mundo sem parquinho, sem celular ou vídeo-game.
Logo cedo, a gente ouve o barulho daqueles pésinhos correndo descalços na terra seca.
Há algo de mágico naquilo, uma espécie de esperança.
Hoje vi uma pequena entrar no terrão de futebol, com o pé direito,
olhou para os céus, como fazem os jogadores, se benzeu e foi correr atrás da bola.
E do sonho.
De uma casinha.
Com uma árvore.
Com água nas torneiras.
Um chuveiro.
Um tênis.
E tirar sua mãe daquele buraco.
Ver seu irmão desenhar num caderno.
Todos os seus sonhos de criança.
Antes que a chuva vem...
E apaga.
Enquanto a goteira tira o sono.
Mas enche a cisterna.
Misto de dor e alegria, com a qual esse povo...
O meu povo...
Se acostumou a viver,
Sem deixar de sonhar...
Com a promessa de um moço queimado de sol das periferias da Galiléia:
O Reino de Deus é chegado.
Nele há
casa
e árvore
e água.
E o amor reina
Em todo coração.