sábado, 13 de março de 2021

Resumo do filme: Mãe

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Mãe é um filme extremamente religioso, Sua cena inicial é a de uma casa queimada que se recompõe, inclusive com a presença da mãe.
Ela não recebe nome no filme.
Aliás, nem ela, nem personagem algum.
Evoca-se na primeira cena a ideia da Mãe Terra,
nossa Casa comum.
Do fogo,
do caos primordial,
ergue-se a casa,
surge a mãe.
Logo ao acordar, ela se vira para o outro lado da cama em busca do seu amado, algo muito parecido com o Cântico de Salomão.
Na busca pelo amado, a mãe olha da soleira da porta.
O mato é alto ao redor,
como um lugar não visitado.
A sensação de estarmos sós é desoladora.
Parece que Deus se esconde.
Mas é o amado quem encontra sua esposa.
O personagem interpretadando Deus. Isso fica evidente no final do filme quando a mulher lhe questiona sobre sua pessoa e ele responde: “Eu sou quem sou”, como Deus a Moisés na sarça ardente.
O marido é um poeta em processo criativo.
Aparentemente, ele não consegue criar mais, parece infértil.
Inclusive, o casal não tem filhos e ela parece não ter sido realmente desposada.
O amor do poeta por aquela que ainda não é mãe é sempre furtivo.
Como poeta de sucesso, o artista conseguiu tudo que possui por sua palavra,
mas foi a mulher quem reergueu a casa que havia sido queimada.
A palavra é tema forte no filme,
tanto para descrever os processos de criação artísticos humanos como divinos.
No momento que a mulher reclama o amor do marido e que ela se revela devastada, ele a ama.
Nessa hora ela se reconhece fecundada e, por isso, a inspiração volta ao marido que escreve um poema definitivo.
O filho inspira a poesia.
Ou melhor, o filho é a própria palavra do poeta feito carne. 
Os conflitos começam logo no início quando a paz do casal é perturbada pela visita de um fã,
alguém que vive pela palavra do poeta e a quem este passa se dedicar.
Esse fã é o primeiro homem, Adão.
Logo chegará sua mulher, uma espécie de Eva.
É ela que introduz o marido no escritório do poeta e lhe entrega um misterioso cristal, que sobrara do primeiro incêndio, e o qual ninguém deveria tocar.
O cristal se quebra e com isso vem a expulsão do casal daquele espaço e o seu trancamento pelo poeta.
Trata-se do fruto do conhecimento do bem e do mal e da privação do paraíso.
O poeta não deixa de amar seus hóspedes,
o que angustia sua esposa, que se sente abandonada.
Nessa história chegam seus filhos, numa releitura de Caim e Abel,
que brigam pelo amor do pai.
Como no Gênesis, um mata o outro.
Caim carrega uma marca na fronte, um sinal de seu crime.
O velório acontece na casa, que recebe toda sorte de gente e passa a tratar a casa e a mulher com desdém.
A invasão daquelas pessoas e o desrespeito pela mulher chegam ao limite quando duas pessoas sentam numa pia ainda não firmada e fazem estourar o encanamento.
As águas que jorram por todo lado representam o dilúvio, fim de um ciclo no filme e na história da humanidade.
A figura da pia também é interessante, porque o cristianismo, realizando batismos em uma pia batismal,
via nela um símbolo também do dilúvio e entendia que, pelas águas, a humanidade se renovou e, no batismo, mergulhados em Cristo, também seriam renovados.
Depois do dilúvio a terra fica vazia e é nesse momento que mãe engravida e a casa se recupera.
Mas, quando o poema derradeiro é publicado, pessoas de todos os lugares, como os Magos do Oriente, vêm prestar-lhe homenagem.
E cada qual que o leu recebeu ao seu modo.
É nesse momento que começa o trecho mais insano do filme.
A palavra do criador é recebida de distintos modos e as pessoas começam a depredar a casa em busca de algo do poeta, como um caçador de relíquias faz com o que pertencera a um santo.
A mesma palavra que inspira e consola, mal recebida, provoca destruição, conflito, guerra e morte.
E é isso que acontece no filme.
A casa se torna até cenário de guerra, a todos os conflitos históricos do mundo.
A guerras cívicas, guerras políticas e guerras de líderes religiosos que,
num momento, exaltam a palavra e sua inspiração e, em outro, matam.
Em meio ao caos do mundo nasce a criança e o silêncio reina.
Tudo para.
Vemos a figura plena da Mãe,
tal qual Maria com a criança ao colo.
Eis o filho da terra e do poeta,
imagem do Filho do Homem e Filho de Deus.
O pai dá o filho aos fãs, atendendo ao seu desejo de tocá-lo, pois o buscam para ter vida.
E eles o matam e em seguida comem sua carne e bebem do seu sangue.
Significando a santa ceia do corpo e do sangue de Cristo.
Tudo é marcado pelo encontro e desencontro entre o poeta e a mãe.
Ela o acusa de egoísmo, de querer ser apenas amado, de não amar.
Ele não nega, nem endossa.
Tratado nos créditos apenas como “Ele”, o poeta é um eterno estranho que, apesar de tudo, pede que a amada ainda se doe mais.
Há muito que dizer sobre o filme e seus detalhes, como o lado aberto de Adão,
de onde se extrai a costela,
ou mesmo o coração que é dado como símbolo de amor, condição para a ressurreição.
Em Mãe! estão os processos criativos e as dinâmicas de recepção, está a história do mundo e das religiões.
Residem perspectivas judaico-cristãs mas também ecológicas que provocam sobre o cuidado da Terra.
Sobretudo, fica de Mãe! o mal-estar pela ausência de Deus.
Fica também a desesperança pela humanidade, o desespero humano e ainda a esperança de renovação.
Nesse filme também podemos interpretar a mulher na sociedade.
Observem a submissão, a renuncia, os cuidados, os caprichos, a devoção que essa mulher tem com o seu marido e com a sua casa?.
Ou seja, ela é completamente sujeita ao marido.
Não tem oportunidade de falar, opinar, expressar os seus sentimentos.
Ele não tem retribuição alguma do seu amado, ela é totalmente governada, refém da sua inferioridade feminina.
É um filme repleto de simbolismos, que exige do telespectador um pouco de senso crítico para questionar e refletir profundamente sobre cada assunto.

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