sábado, 8 de agosto de 2020

Poema sobre 100 mil mortes

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Um vírus novo e mortal para os humanos
sobrecarregou hospitais inteiros e uma geração de idosos povoou todos os cemitérios.
O isolamento é a única esperança e ficamos em casa na obscura espera.
O espectro da pobreza avança, a desigualdade o egoísmo ficou-se mais notório que outras inúmeras vezes.
Lojas fechadas, retomada incerta...
Um dia terminará, tenho certeza.
Talvez eu não esteja mais aqui para tranquilizá-lo,
mas ainda assim esteja certo
que nunca eu deixarei de amá-lo aqueles que eu soube que morreram de COVID-19.
Às pessoas muitas das vezes não damos conta que a carregamos conosco,
mas, desde que somos vida, ela segue-nos de perto.
A morte de um amigo é como uma amputação.
Perdemos uma parte de nós;
uma fonte de amor;
alguém que dava sentido à nossa existência, porque despertava o amor em nós.
Perdemos alguém como muitos perderam na Segunda Guerra Mundial, no holocausto que os nazistas fizeram, na maior tragédia da humanidade ocorrida em Hiroshima e Nagasaki.
Perdemos alguém como se perde em um fogo de fuzilaria, em troca ininterrupta de ditos ou palavras entre pessoas que discutem ou ralham.
Perdemos alguém por negligência, alguém pelos negaciolistas, autoritaristas que infelizmente estão usurpando por violência e meios injustos daquilo que não lhe pertence ou a que não tem direito.
Mas não há sabedoria alguma, cultura ou religião, que não parta do princípio de que a realidade é composta por dois mundos: um, a que temos acesso direto e, outro, que não passa pelos sentidos,
a ele se chega através do coração.
Contudo, o visível e o invisível misturam-se de forma misteriosa,
ao ponto de se confundirem e,
como alguns chegam a compreender, não serem já dois mundos, mas um só.
Só as pessoas que amamos morrem.
Só a sua morte é absoluta separação.
Os estranhos, com vidas com as quais não nos cruzamos, não morrem, porque, para nós, de fato, não chegam sequer a ser.
O sofrimento que se sente é a prova de uma união que subsiste, agora com uma outra forma, composta apenas de... Amor. Dói, muito.
Mas com a ajuda dos que partem acabamos por sentir que, afinal,
não fomos separados para sempre...
O Amor faz com que a nossa vida continue a ter sentido.
A partida dos que foram antes de nós ensina-nos a viver melhor, de forma mais séria, mais profunda, de uma forma, inequivocamente, mais autêntica.
Devemos cuidar de todos os que amamos.
Aos que partiram, porém, aquilo que lhes podemos dar é o amor àqueles que ficaram cá.
Porque estes continuam a precisar de nós, do melhor de nós, e é sempre uma iniquidade quando um amor por quem partiu mata, em alguém,
o amor por aqueles que ainda cá estão.
A morte ensina-nos que o Amor é perdoar mais do que vingar,
consolar mais do que ser consolado, partilhar mais do que acumular, compreender mais do que julgar, 
dar, darmo-nos, oferecer o melhor de nós, mais do que termos o que sonhámos.
Não é difícil compreender que os nossos sentimentos e gestos são determinantes, não só para a nossa felicidade neste mundo, como também para a da outra vida, de que esta faz parte.
Repousa em nós, calma e firme, a certeza de que a vida não se mede pela quantidade dos dias, mas pelo amor de que se foi autor e herói.
Chorar a morte de um amigo é a prova de que a sua vida, aqui, teve valor e sentido. É o mesmo amor que nos deu alegria à vida que nos faz, agora, chorar... não desapareceu, está vivo.
Habita-nos o coração.
Ficam as lágrimas choradas no silêncio do fundo de nós.
Fica o silêncio onde se ama.
Fica a esperança, que é certeza, de que todo o carinho e ternura que ficaram por dar não se perderam, adiaram-se apenas.
Afinal, a mesma morte que leva os que amamos, também nos levará a nós.
Será pois uma simples questão de tempo até que possamos abraçar e beijar aqueles a quem, agora, disso a morte nos impede.
No fundo do nosso coração, bem mais fundo do que a morte em nós, está Deus.
A Deus peço a confiança na eternidade do Amor;
a Deus peço que ajude os que neste momento sofrem a dor do espinho que a morte crava;
a Deus peço que me continue a ensinar e a ajudar a Amar com todas as forças de que sou capaz. A-Deus.


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