sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

A covardia de cause sempre

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Tem dias que eu quase desisto.
Quase.
Dias.
Luto.
Parece uma luta insana.
Estamos há apenas 135 anos sem escravidão oficial.
Nos outros 388 anos, o Brasil foi escravocrata.
"Uma vez escravocrata,  sempre escravocrata."
Quando precisamos de leis para dizer que escravizar outra pessoa é crime, é pecado, já não demos certo enquanto humanidade, enquanto sociedade.
O desejo de voltar a ter escravos negros nunca saiu do inconsciente dessa sociedade branca brasileira.
O desejo de poder estuprar mulheres negras, de poder ser dono de seus corpos e suas vontades nunca saiu da cabeça dessa sociedade machista branca brasileira, cristã ou cristianizada.
Nunca saiu.
Nunca.
O homem branco que governa o país, cristão, eleito por brancos e negros, quer que o Congresso reveja o conceito de "trabalho análogo à escravidão", que flexibilize.
Rio de Janeiro.
Barra da Tijuca.
Posto oito.
Um imigrante congolês.
Moisé Kabamgabe.
Junto com a família, deixou a África em 2014.
Criança.
Vieram para um país cristão que recebe bem os imigrantes.
Bem.
O garoto trabalha num quiosque.
Ganha pouco.
Recebe por dia.
Dois dias sem receber.
O menino vai ao quiosque pedir que lhe paguem as duas diárias que lhes são devidas.
Não pagam.
Uma corda.
Pegaram uma corda.
Cinco homens.
Brancos.
Amarraram o menino congolês num poste.
Pernas e mãos amarradas.
15 minutos de violência extrema.
Extrema.
Barra da Tijuca.
Mesmo assim a polícia levou entre 20 e 40  minutos para chegar.
Chegou sem pressa.
Não era um homem branco sendo agredido por cinco homens pretos.
Sem pressa.
Pedaços de madeira.
Taco de basebol.
Socos.
Muitos socos.
Cinco homens brancos contra um homem preto amarrado.
Bateram em Kabagambe até ele morrer.
Largaram o corpo morto, amarrado,  numa escada.
A polícia chegou sem pressa.
Somente 12 horas depois a família soube do assassinato.
Moisé era preto.
Estrangeiro.
Africano.
Pobre.
Kabagambe indigente.
Espancado.
Morto.
O espancamento foi gravado por câmeras.
Nenhum criminoso se preocupa mais em se esconder de câmeras.
Foi xenofobia.
Foi racismo.
Foi covardia.
Foi empoderamento do mal.
Teve testemunhas.
Mas quem tenta salvar uma pessoa preta sendo espancada por homens brancos?.
Numa sociedade escravocrata, preto é a cor do crime.
Um preto nunca é inocente numa sociedade escravagista.
Nunca.
25 anos.
15 minutos de espancamento.
A polícia chegou sem pressa.
Ninguém sabe quem matou Moisé, apesar da câmera.
Apesar das testemunhas.
Apesar de se saber que ele trabalhava naquele quiosque Tropicália.
Apesar do patrão ter partido na direção dele com um pedaço de madeira e ter chamado outros homens.
A polícia investiga.
Sem pressa.
A Polícia Militar não teve pressa para chegar.
A Polícia Civil não tem pressa de investigar.
Os homens brancos tiveram pressa de matar o menino preto.
15 minutos para matar.
Uns 30 minutos para a Polícia Militar chegar. Sabe-se lá quanto tempo para a Polícia Civil investigar.
A polícia branca está ESPERANDO que o patrão branco vá à delegacia amanhã.
Espontaneamente.
Sem pressa.
De boas.
Tem dias que quase desisto.
Quase.
O luto.
A luta.
O empoderamento do mal.
Pessoas morrem o tempo todo.
Empoderador da barbárie.
Tem dias que quase desisto!.

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