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Na época da transformação ou passagem de coisas,
fatos,
pessoas,
crenças e instituições, que estavam sob o domínio religioso, para o regime leigo,
a publicidade substituiu por vezes os melancólicos, pregadores da chamada idade das trevas, entusiasmados por recordar que por baixo de um par de seios está um esqueleto destinado a desfazer-se em pó.
A publicidade presta-se igualmente, e é justo que assim seja, a dissipar com advertências e outros prazeres.
O espectador que está a ver na televisão um filme policial, um drama sentimental ou uma reportagem é interrompido porque está prestes a descobrir o assassino, por outras histórias que surgir na tela sobre o qual imagens são projetada.
As sequências povoadas por mulheres magníficas que suam,
transpiram,
cheiram mal,
perdem líquidos através das partes mais delicadas,
têm cabelo oleoso e mau hálito nas bocas convidativas à vista, mas evidentemente repelentes ao olfato.
Dramas que, por sorte, têm um rápido e feliz, desfecho, pois na tela surgem de imediato loções, óleos, sprays e cremes.
Aqueles corpos reflorescem, voltam a seduzir e a ser convidativos e, logo depois, o espectador volta a seguir o seu filme policial.
Dramas de final feliz, mas por pouco tempo.
Ao passo que a fé, inaudível, proclama a carne e lhe promete uma ressurreição definitiva, o espectador diante da televisão é imediatamente interrompido, uma vez mais, e aqueles corpos não só femininos mas também, ainda que em menor escala, masculinos, como impõe a igualdade de género estão novamente suados,
húmidos,
vergonhosamente molhados, malcheirosos.
Porém, é preciso reconhecer que a publicidade televisiva, se por um lado é com certeza uma aflição que dá descanso de quem só quer ver um programa, por outro é também uma espécie de grande pregadora da universalidade dos mistérios medievais em que toda a beleza, riqueza e poder acabam por se reduzir a pó.
Se não fossem as empresas que produzem desodorantes,
cremes rejuvenescedores, depiladores e shampoos.
Quem se lembraria ainda de que está destinado ao pó?.