sábado, 2 de maio de 2020

O poema sobre o tempo

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Perder tempo não é como gastar dinheiro.
Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.
Não é.
O tempo vale muito mais do que o dinheiro.
Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos.
Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais.
Quando morreu a minha avó, foi-se com ela todo o tempo que ela tinha para passar conosco.
As coisas dela ficaram para trás.
Sobreviveram.
Eram objetos.
Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ela - a forma de fazer bolo, os relógios - quando ela tinha tempo.
As pessoas dizem "tempo é dinheiro" para apressar quem trabalha.
A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo.
E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharia e a ser-se indolente.
A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos.
Quando penso na minha avó, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ela.
Uma noite, num dia chuvoso, confessou-me que o único filme de que gostava era " o contador de história"
Todos os outros eram uma perda de tempo. Perdemos a noite inteira a falarmos e a rirmo-nos disso.
E ainda hoje tem graça.

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