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Misteriosos são os caminhos secretos de cada um dos cardeais reunidos no Estado do Vaticano por ocasião da eleição de um novo Papa.
Neste filme chamado «Conclave», assistimos ou assistiremos a uma complexa cerimónia em que os protagonistas são altos representantes da igreja católica apostólica romana, que juntos constituem o colégio cardinalesco, cuja importância individual antecede a do cargo supremo que pertence ao sumo pontífice.
No chamado conclave, os ditos cardeais votam de forma igualmente secreta no nome daquele que, segundo a sua consciência e a sua leitura da realidade circundante, material e espiritual, pode melhor representar a continuidade de um poder que será depositado nas mãos de um novo Papa, na sequência da morte do seu antecessor.
Suspense político-religioso, ou melhor, de contornos religiosos, com clara incidência na visão prosaica e muito material da competência e aptidões dos principais cardeais visados, «Conclave» destaca de entre os membros do colégio cardinalesco o deveras conciliador e responsável pela organização do conclave,
o cardeal Lawrence, o “liberal” cardeal Bellini, o reaccionário cardeal Tedesco, o evasivo cardeal Tremblay, o africano de início aparentemente bem posicionado para suceder na cadeira papal cardeal Adeyemi e por fim um mais do que improvável candidato, com um percurso controverso e arriscado por países como o Afeganistão, o latino cardeal Benitez.
Escusado será dizer que esta última personagem, nascida no México, caída não literalmente, mas quase do céu, irá desempenhar um papel decisivo que logo se adivinha pela maneira como acontece a sua particular introdução em cena.
Enfim, nesse campo a realização não deixa muito mistério por desvendar, apenas precisamos de aguardar pela altura certa para sabermos o que então não fora dito.
Na verdade, como se irá revelar nos derradeiros minutos do filme, há naquele cardeal não apenas uma irreverência, mas um mistério maior que atinge uma instituição onde a perspectiva masculina prevalece sobre o olhar feminino.
Identidade de olhar que aqui será assumido de forma crítica e contundente pela irmã Agnes, religiosa que assiste a uma distância obrigatória ao desenrolar e disseminar das ondas de choque provocadas por numerosas contradições, armadilhas, intrigas, compromissos durante o conclave.
É Isabella Rossellini quem cumpre essa função de espectadora atenta, movimentando-se nos bastidores de forma bem ativa, mesmo quando a sua presença se manifesta através da circulação não de uma mulher de corpo inteiro mas de alguém que desempenha o papel de sombra.
Diríamos, uma alma penada, quase sem voz, só com rosto e força de vontade para corrigir o que manifestamente qualquer pessoa séria e responsável classificaria como o mal-estar instalado nas hostes superiores da igreja católica.
Ou seja, a igreja tem demonstrado ser um grupo de homens pequenos e mesquinhos.
Interessados apenas em si mesmo em Roma, nas eleições e no poder.
E essas coisas não são a igreja.
A igreja não é tradição.
A igreja não é o passado.
A igreja é o que faremos daqui para frente.