domingo, 26 de fevereiro de 2023

Hakuna matata

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Era dia de Páscoa e o Mestre estava reclinado à mesa com seu conjunto de pessoas covardes.
A última ceia não era um encontro de notáveis, de uma elite religiosa e moral.
Era a ceia dos pecadores,
dos medrosos,
dos fujões,
dos fracos,
dos teimosos,
dos que negam,
dos que fogem,
dos que abandonam quem amam para salvar a própria pele.
E o revolucionário carpinteiro inaugurou a mesa para essa gente e os braços, sem restrições e julgamentos, e os convidou a todos para partilharem ali de sua vida, entregando-se por inteiro a todos eles, incluindo Judas, o mais notório dentre os traidores, que veio tornar-se boi de piranha da cristandade.
Porque ali, naquela mesa,
meus amigos, não se salvava um.
Eram todos Judas.
A única e lastimável diferença é que o Iscariotes, por ter sucumbido à vergonha e tirado a própria vida,
não teve tempo de perceber em vida que já havia sido plenamente e eternamente perdoado,
que fora graciosamente aceito à mesa junto com todos os demais. 
Não se engane, meu irmão.
Não existe ceia de santos.
Pelo menos não com Jesus.
A ceia dos perfeitos, dos superiores, dos que julgam os outros do alto de sua respeitável posição,
dos que batem no peito e dizem “obrigado, Deus, porque não somos como aqueles pecadores ali”,
essa ceia não conta com a presença do Mestre.
Essa é a ceia dos arrogantes e essas pessoas não se rebaixam a sentar à mesa onde Jesus está oferecendo sua carne e seu sangue.
A ceia de Jesus é a dos que dizem, prostrados: “tem misericórdia de mim porque sou pecador”.
Dos que, sabendo quem são, conhecendo suas limitações,
suas carências,
suas falhas,
seus horrores,
sua mediocridade,
sua canalhice, ainda assim e por isso mesmo querem andar com Jesus, porque carecem dele e de suas palavras de amor, perdão e graça.
É a ceia dos que ouviram o convite carinhoso e desafiador - “se alguém quer vir comigo… me siga” - e, voluntariamente, fascinados pela figura cativante do carpinteiro de Nazaré, negando-se a si mesmos largaram o que tinham e o que queriam para si que era o que os tornava infames para segui-Lo.
E, ao segui-Lo de mãos vazias tornaram-se parte Dele mesmo o Corpo de Cristo simbolizado na ceia, a comunidade daqueles que se parecem com Jesus porque aceitam em sua mesa o mesmo tipo de gente que ele aceitou, e com eles repartem suas vidas, e por quem,
como o Mestre, entregam suas vidas.
Esse chamado insano para sair por aí abraçando, perdoando e convidando à mesa covardes, canalhas e traidores não é, obviamente, um chamado light para uma vida boa.
É antinatural.
Chega a ser ofensivo.
Mas assim é o amor que mudou o mundo.
Não tem explicação, não tem lógica.
Mas Jesus continua, num sussurro constante, convidando: “se alguém quer vir… me siga”. 
O problema é que vivemos dias turbulentos, barulhentos.
Vivemos no horror do ruído constante.
A onipresença e a urgência da comunicação nos sugou para um turbilhão de muitas vozes.
A gente consubstanciou a paranóia. Materializamos a esquizofrenia.
O paranóico é aquela pessoa que tem a sensação de ter alguém sempre ao seu lado, que ouve vozes insistentes, ameaçando, exigindo, tramando, berrando.
Pois agora essa sensação se fez carne e habitou entre nós nos incansáveis dispositivos móveis e suas inesgotáveis redes sociais.
E a gente não tem mais como ouvir a voz de Deus que é a voz do amor, que sopra no silêncio e na quietude da brisa suave.
Não temos como ouvir nem mais a nossa própria voz, que sussurra discreta e constante em nosso peito.
Muito menos ouvir a voz do outro,
do irmão,
do próximo,
do vizinho,
de quem precisa.
Assim como a mais profunda solidão se encontra no meio da multidão,
é no ruído constante que habita o silêncio mais ensurdecedor.
Não é a toa que Isaías (Is 30.15) diz que nossa salvação está “no arrependimento e no descanso” de quem sabe que é um covarde traidor, mas sabe que Jesus entrega seu corpo e sangue para covarde e traidores, e nosso vigor está “na quietude e na confiança” de quem sabe que carece desse silêncio tranquilo, pois só nesse lugar quieto e tranquilo é possível ouvir a voz do Amor, ouvir a si mesmo e ouvir o próximo.
E é só assim, nessa condição, que a ceia de Jesus faz sentido.
Só assim pode haver entre nós alguma semelhança com o Cristo.
E se você é dos que, como eu,
ao ouvir o convite do Mestre se alguém quiser… - diz, entre lágrimas, “eu quero”, meu amigo, saiba,
essa jornada é para que Ele seja formado em nós.
Não para sermos melhores que os outros, julgando e condenando o próximo, não para sermos melhores que ninguém a não ser nós mesmos, cada dia um pouco mais parecidos com Ele, aos trancos e barrancos.
Os cristãos não deveriam ser conhecidos como os guerreiros da moral e dos bons costumes nem como os incansáveis guardiões da família tradicional, mas sim como a Comunidade do Amor,
dos relacionamentos desinteressados,
da aceitação,
da tolerância,
do cuidado mútuo.
É pela liberdade,
pela mutualidade,
pela interdependência amorosa,
pelo serviço abnegado que devemos ser lembrados.
Foi essa a mais transcendente marca que Jesus deixou.
Foi assim que igreja de Atos se tornou conhecida.
E é nesse, e só nesse contexto que a ceia surge como símbolo,
lembrança, reforço e recompromisso de quem quer colocar o corpo e o sangue de Cristo para dentro de si.
Não para fazer parte de um clube de santos, mas para seguir os passos d 'Ele até a cruz. 
Se você ouviu o sussurro do Mestre, largou suas coisas e foi atrás das pessoas, abra uma garrafa de vinho, convide uns amigos e reparta com eles sua vida.
Depois abra os braços sem problemas, 
as portas sem se preocupar,
a mente sabendo que tudo ficará bem,
a alma,
abandone os medos,
os julgamentos e os preconceitos e contagie o mundo com o amor de Jesus.




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