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Existem dois natais.
Talvez três.
Existe o natal das elites,
das comidas que podem ser fotografadas,
da ostentação,
das mesas fartas e bonitas.
Existe o natal das sobras,
das comidas doadas para os empregados que ainda podem ser fotografadas.
E existe o natal dos descartes,
dos restos que vão para o lixo,
que já não podem ser fotografadas,
até porque quem revira o lixo costuma ser invisível,
sem celulares,
sem redes sociais.
Nesse aspecto, o natal é uma espécie de O POÇO.
No primeiro andar, as comidas estão na mesa, arrumadas, tudo lindo, muita fartura.
Mas os do primeiro andar sempre "têm mais do que precisam ter e, portanto, sempre se convencem de que não têm o bastante".
Quando a mesa desce para o segundo andar, ainda vai em boas condições.
Do terceiro para baixo há fome.
E O POÇO parece sem fim, sem fundo.
Do terceiro para baixo a comida já tem aspecto de lixo, já é disputada em meio a fome, ao desespero.
O que é postado com cara de gratidão,
no primeiro andar, ganha ares de ostentação para aqueles dos andares abaixo, que assistem e não têm.
O natal é a cara da nossa sociedade,
o momento em que o capitalismo nos revela seu braço religioso ou a religião seu braço capitalista.
São milhões de postagens sobre compartilhar.
Compartilhar com os nossos.
Quem tem comida tem medo dos que não têm.
Quem não tem vira ameaça.
E se nossa ceia tão fraternal,
tão compartilhável for invadida pelos do terceiro andar abaixo?.
Como nos comportaremos?.
Se eu comesse um pouco menos,
até o limite de não passar mal, quantos dos andares abaixo teriam também o que comer?.
É de lascar olhar a sociedade em camadas, os discursos, as práticas,
as mesas de comida descendo os andares, as insensibilidades dos do primeiro andar.
Que estranhos que somos!.
Nossas ceias fartas do primeiro andar são transmitidas em tempo real para os andares abaixo.
Não podemos achar que chegam lá com cara de gratidão ou de comunhão.
Lá chegam como desigualdade,
injustiça,
má distribuição,
ostentação.
Existem dois natais.
Talvez três.
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