sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A sociedade do cansaço

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Somos oprimidos a partir de dentro.
Nos sentimos incapazes ou capazes de mais.
Tristes ou felizes demais. Superaquecemos por um excesso de positividade.
Não há saída para quem tem o mundo à disposição, como nós.
Somos atingidos por bombas de imagens,
sons,
vídeos,
anúncios e produtos.
Temos o mundo ao alcance das mãos e nos nossos bolsos.
Parece que não há mais espaço para criar mundos.
Eles já estão todos aí com as devidas hashtags.
As forças afirmativas foram novamente submetidas às negativas.
Os novos Sacerdotes Ascéticos são os publicitários.
O poder agora é capaz de submeter até o desejo transbordante pois o excesso é de nada.
Nossa sociedade é a das academias fitness.
Andamos sem sair do lugar.
Produzimos em demasia, consumimos bobagens.
Estamos, nós mesmos, na esteira da vida, como ratos em gaiolas.
Vivendo em inércia.
Substituímos a lei pela iniciativa, pela motivação.
Tudo é questão de projeto.
Ser é um projeto.
Se a Sociedade Disciplinar era uma sociedade do 'não' do poder,
a do desempenho é a do 'Sim', mas igualmente submetida.
Se uma produz loucos e delinquentes,
a outra produz deprimidos e fracassados. Quem não encontra a maneira adequada de produzir capital,
produzir desejo,
produzir pensamento e vive à margem dessa sociedade.
O Cansaço aparece como uma maneira de existir.
Afinal, estamos todos um pouco exaustos.
Mas continuamos a trabalhar.
Somos presas fáceis.
Maximizar a produção, é o axioma que se instalou em nossas cabeças.
Um inconsciente social.
O mais triste é que o poder não cancela o dever.
Cansados somos também disciplinados. Nada ficou para trás, ao contrário,
somos formados por todo esse caldo entornado.
O corpo se tornou esta vasilha onde nunca se chega à última gota.
Transformamo-nos em máquinas de desempenho.
Precisamos recuperar um cansaço fundamental.
Um estado onde ‘as presilhas da identidade se afrouxem’.
Precisamos recuperar os diálogos, os olhares para com o outro.
Precisamos recuperar a sensibilidade e o sentido de ser gente.
Precisamos recuperar nossa capacidade de indeterminação.
Precisamos transformar o corpo novamente numa zona heterogênea e permeável, flexível e articulável. Precisamos voltar a produzir afetos longamente esquecidos ou até mesmo nunca antes experimentados. Precisamos descobrir os não-para dos nossos corpos.
Corpos-sem-órgãos.
Nossas vidas não são para o trabalho… estranho.
Nossos sorrisos não são para a propaganda.
Nossas peles não são para a cor.
Nossos gêneros não são binários.
Temos um mundo novamente a inventar! Temos uma sociedade a desmontar! Temos um corpo novo a pensar!.
Temos que voltar a qualidade da nossa geração.

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