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Não temos podido fazer quase nada, senão o que fazemos.
Somos da geração que foi às ruas pelas diretas já,
somos da geração que elegeu o operário, líder sindical, como presidente, somos da geração que colocou a primeira presidenta no poder, ou seja, a primeira mulher na presidência da República.
Somos da geração que acabou com a dívida externa,
com a mortalidade infantil, com a fome e a sede no Nordeste, com a miséria mais miserável pelo país afora, que tirou o Brasil do mapa da fome da ONU, os maiores fantasmas nacionais de minha infância e adolescência.
Somos da geração que ameaçou a hegemonia do dólar com o BRICS, que criou tecnologia para extração de petróleo destinando seu lucro à educação e à saúde, que colocou negros, indígenas e pobres nas universidades públicas, que finalmente inseriu a respeitabilidade do país no mundo fazendo-o ser ouvido em decisões internacionais.
Mas não conseguimos sustentar o sopro do vendaval
que ajudamos a ventar, não conseguimos fazer a história seguir o curso que muitos antes de nós lutaram para provocar.
Fomos interrompidos, obrigados a recuar, obrigados a ver a peste reinar no país, sem encontrar forças para derrubar-la, vemos o gabinete do ódio, o escritório do crime, o governo miliciano, a presidência perversa, sobretudo, as forças que propiciaram sua chegada até ali.
Hoje estamos a ver o negacionismo de evidências maciças e a geração de controvérsia a partir de tentativas de negar que um consenso exista.
Estamos a ver o negacionismo do Holocausto e o negacionismo da AIDS.
Estamos a ver o negacionismo do vírus atual por causa de motivos políticos e religiosos.
Por causa desses fanáticos religiosos, terraplanistas e teóricos da conspiração.
Muito é terrível e, entre tudo o que é terrível, o mais terrível é o ser humano, que, aterroriza até o terror, barbariza até a barbárie.
O som de nossas vozes deveria trazer um sopro de pensamento a proteger pessoas, animais, rios, cidades, florestas, países, oceanos, continentes, céus,
mundos, submundos, sobremundos, cosmo.
Hoje, entretanto, a vilania governa com seu raquitismo
de pensamento arrojando acelerada e horrivelmente
todos à morte, mostrando que nos iludimos na vida quando nos esquecemos da ameaça dos revezes
que nos mostram todos os impasses dos passos,
todas as não passagens por onde teríamos de passar, mas empacamos atônitos, assombrados, com a vida parecendo engano, com a vida perecendo, só sombra
da morte, nada mais.
As pessoas morrem aos milhares, às dezenas de milhares e não vemos como isso vai acabar.
Sabemos há muito que nada entra de grande na vida mortal sem sofrimento, mas sabemos também da exaustão do sofrimento sem (nem digo algo de grande, mas sem) qualquer alternativa a ele.
Apesar de sempre termos tido nas famílias um tio ou uma tia ou um primo ou uma prima ou um pai ou uma mãe que desejasse a volta da ditadura ou votasse
consecutivamente nos candidatos forjados pela grande mídia como salvadores, como caçadores de marajás, como algozes de adversários políticos tratados, sem provas nem escrúpulos, como corruptos, apesar de sabermos do cruel conservadorismo entranhado nas pessoas,
a verdade é que nem de longe podíamos imaginar
essa reviravolta, esse retrocesso sem fim, o sem fundo do poço que vivemos.
Hoje, a Secretaria Especial de Comunicação Social
do governo utilizou, mais uma vez, em um vídeo,
um slogan nazista: “Só o trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”. “Arbeit macht frei”, a frase colocada na entrada de Auschwitz e de outros campos de concentração, utilizada, aliás, já no discurso de posse de Temer, o vice-presidente golpista, ao assumir a presidência, quando disse “Não fale em crise, trabalhe”, transformando em seguida a frase em propaganda nacional.
Amanhã não será um dia melhor do que hoje que não é um dia melhor do que ontem, mas estamos aqui, sem descanso, diariamente falando, diariamente gritando, ainda que nossas falas e mesmo nossos gritos não assustem mais ninguém.
Não temos podido fazer quase nada, senão o pouco que ainda conseguimos fazer.
Encho os pulmões e retiro ritmos urbanos do que quer
que me sirva para tentar dizer o nosso tempo eloquente de escassez e excessos, de angústias e desejos, nosso tempo simultaneamente legível e ininteligível.
Estamos tristes, poeta, o mar da história é, de fato, agitado, atravessamos ameaças e guerras.
Estamos tristes, poeta, e impotentes, e frustrados, o pior não é mais um sinal do que poderia vir
a acontecer, ele se encontra no meio de nós, sem que vejamos a possibilidade iminente de seu desmoronamento.
Nosso país está cheio de dores.
Não busquemos autocríticas no momento indevidas nem responsabilidades que no momento
não nos caibam (como se pudéssemos ter evitado
tudo isso!).
Ao longo desses anos, eles se utilizaram de todo poder, desmesurado, de que são capazes.
Sigamos lutando como nos for possível, sigamos lutando com nossas palavras, com nossos afetos, com nossos corpos, mesmo na não audição de nossos gritos.
Sigamos lutando para a poesia não desfalecer diante
do que estamos vivendo, para ela viver ainda mais, para ela dar mais vida, para ela tocar os nervos e o coração de modo a sustentar nossa feroz discordância, nossa revolta convulsiva- mente escrita, para ela testemunhar algo que, tocando o que poderia
ser chamado de verdade, com seu documentário, com seus rabiscos diários, cartas, estudos, anotações, matérias, improvisos, mesmo em seu atropelo e com inúmeras lacunas, escape às notícias falsas e às vozes dos poderosos.
Que se tenha aqui um registro para que se possa, um dia, quem sabe, pelos sintomas narrados, investigar a doença maior do nosso tempo, ganhando antídotos sociais, vacinas políticas, curas históricas de modo que ela, em hipótese alguma, retorne.
Um país que elegeu esse presidente é de todo modo um país doente, um país que produziu a mais letal das doenças terminais.
Ao menos por uma tarde, entretanto, alegremo-nos com o fogo amigo deles.
Talvez não seja tão pouco assim; talvez, nessa guerra entre os diversos agentes dos múltiplos poderes, alguma brecha acabe por se abrir, por onde possa se dar uma disjunção do tempo, uma fratura na continuidade dos fatos, um contrapelo da história, por onde consigamos, mais uma vez, e de novo, romper aquilo que, neste país imenso, desde sempre trabalha, com todo poder, para se impor, mas tenhamos a certeza de que amanhã não será um dia melhor do que hoje, que não é um dia melhor do que ontem.
Não temos podido fazer quase nada, senão o que fazemos.
Somos da geração que foi às ruas pelas diretas já,
somos da geração que elegeu o operário, líder sindical, como presidente, somos da geração que colocou a primeira presidenta no poder, ou seja, a primeira mulher na presidência da República.
Somos da geração que acabou com a dívida externa,
com a mortalidade infantil, com a fome e a sede no Nordeste, com a miséria mais miserável pelo país afora, que tirou o Brasil do mapa da fome da ONU, os maiores fantasmas nacionais de minha infância e adolescência.
Somos da geração que ameaçou a hegemonia do dólar com o BRICS, que criou tecnologia para extração de petróleo destinando seu lucro à educação e à saúde, que colocou negros, indígenas e pobres nas universidades públicas, que finalmente inseriu a respeitabilidade do país no mundo fazendo-o ser ouvido em decisões internacionais.
Mas não conseguimos sustentar o sopro do vendaval
que ajudamos a ventar, não conseguimos fazer a história seguir o curso que muitos antes de nós lutaram para provocar.
Fomos interrompidos, obrigados a recuar, obrigados a ver a peste reinar no país, sem encontrar forças para derrubar-la, vemos o gabinete do ódio, o escritório do crime, o governo miliciano, a presidência perversa, sobretudo, as forças que propiciaram sua chegada até ali.
Hoje estamos a ver o negacionismo de evidências maciças e a geração de controvérsia a partir de tentativas de negar que um consenso exista.
Estamos a ver o negacionismo do Holocausto e o negacionismo da AIDS.
Estamos a ver o negacionismo do vírus atual por causa de motivos políticos e religiosos.
Por causa desses fanáticos religiosos, terraplanistas e teóricos da conspiração.
Muito é terrível e, entre tudo o que é terrível, o mais terrível é o ser humano, que, aterroriza até o terror, barbariza até a barbárie.
O som de nossas vozes deveria trazer um sopro de pensamento a proteger pessoas, animais, rios, cidades, florestas, países, oceanos, continentes, céus,
mundos, submundos, sobremundos, cosmo.
Hoje, entretanto, a vilania governa com seu raquitismo
de pensamento arrojando acelerada e horrivelmente
todos à morte, mostrando que nos iludimos na vida quando nos esquecemos da ameaça dos revezes
que nos mostram todos os impasses dos passos,
todas as não passagens por onde teríamos de passar, mas empacamos atônitos, assombrados, com a vida parecendo engano, com a vida perecendo, só sombra
da morte, nada mais.
As pessoas morrem aos milhares, às dezenas de milhares e não vemos como isso vai acabar.
Sabemos há muito que nada entra de grande na vida mortal sem sofrimento, mas sabemos também da exaustão do sofrimento sem (nem digo algo de grande, mas sem) qualquer alternativa a ele.
Apesar de sempre termos tido nas famílias um tio ou uma tia ou um primo ou uma prima ou um pai ou uma mãe que desejasse a volta da ditadura ou votasse
consecutivamente nos candidatos forjados pela grande mídia como salvadores, como caçadores de marajás, como algozes de adversários políticos tratados, sem provas nem escrúpulos, como corruptos, apesar de sabermos do cruel conservadorismo entranhado nas pessoas,
a verdade é que nem de longe podíamos imaginar
essa reviravolta, esse retrocesso sem fim, o sem fundo do poço que vivemos.
Hoje, a Secretaria Especial de Comunicação Social
do governo utilizou, mais uma vez, em um vídeo,
um slogan nazista: “Só o trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”. “Arbeit macht frei”, a frase colocada na entrada de Auschwitz e de outros campos de concentração, utilizada, aliás, já no discurso de posse de Temer, o vice-presidente golpista, ao assumir a presidência, quando disse “Não fale em crise, trabalhe”, transformando em seguida a frase em propaganda nacional.
Amanhã não será um dia melhor do que hoje que não é um dia melhor do que ontem, mas estamos aqui, sem descanso, diariamente falando, diariamente gritando, ainda que nossas falas e mesmo nossos gritos não assustem mais ninguém.
Não temos podido fazer quase nada, senão o pouco que ainda conseguimos fazer.
Encho os pulmões e retiro ritmos urbanos do que quer
que me sirva para tentar dizer o nosso tempo eloquente de escassez e excessos, de angústias e desejos, nosso tempo simultaneamente legível e ininteligível.
Estamos tristes, poeta, o mar da história é, de fato, agitado, atravessamos ameaças e guerras.
Estamos tristes, poeta, e impotentes, e frustrados, o pior não é mais um sinal do que poderia vir
a acontecer, ele se encontra no meio de nós, sem que vejamos a possibilidade iminente de seu desmoronamento.
Nosso país está cheio de dores.
Não busquemos autocríticas no momento indevidas nem responsabilidades que no momento
não nos caibam (como se pudéssemos ter evitado
tudo isso!).
Ao longo desses anos, eles se utilizaram de todo poder, desmesurado, de que são capazes.
Sigamos lutando como nos for possível, sigamos lutando com nossas palavras, com nossos afetos, com nossos corpos, mesmo na não audição de nossos gritos.
Sigamos lutando para a poesia não desfalecer diante
do que estamos vivendo, para ela viver ainda mais, para ela dar mais vida, para ela tocar os nervos e o coração de modo a sustentar nossa feroz discordância, nossa revolta convulsiva- mente escrita, para ela testemunhar algo que, tocando o que poderia
ser chamado de verdade, com seu documentário, com seus rabiscos diários, cartas, estudos, anotações, matérias, improvisos, mesmo em seu atropelo e com inúmeras lacunas, escape às notícias falsas e às vozes dos poderosos.
Que se tenha aqui um registro para que se possa, um dia, quem sabe, pelos sintomas narrados, investigar a doença maior do nosso tempo, ganhando antídotos sociais, vacinas políticas, curas históricas de modo que ela, em hipótese alguma, retorne.
Um país que elegeu esse presidente é de todo modo um país doente, um país que produziu a mais letal das doenças terminais.
Ao menos por uma tarde, entretanto, alegremo-nos com o fogo amigo deles.
Talvez não seja tão pouco assim; talvez, nessa guerra entre os diversos agentes dos múltiplos poderes, alguma brecha acabe por se abrir, por onde possa se dar uma disjunção do tempo, uma fratura na continuidade dos fatos, um contrapelo da história, por onde consigamos, mais uma vez, e de novo, romper aquilo que, neste país imenso, desde sempre trabalha, com todo poder, para se impor, mas tenhamos a certeza de que amanhã não será um dia melhor do que hoje, que não é um dia melhor do que ontem.
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