segunda-feira, 7 de abril de 2025

O secretário do diabo

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Amanhã não será um dia melhor
do que hoje, que não é um dia
melhor do que ontem.
Há um sentimento fúnebre no ar,
de quem tem vivenciado
uma morte após a outra,
de quem tem vivenciado,
antecipadamente, mais uma
morte, a última delas, a morte
após a própria morte, a morte
da qual não se tem retorno,
a morte da qual os mortos
não voltam dela para a vida,
a morte a que apenas os vivos
se encaminham para ela
sem jamais poder voltar,
a morte da qual não se tem
poemas para se fazer,
não a morte simbólica,
mas a outra, a real,
a experiência final da morte
em vida, da qual sobrevivemos,
se tanto, ainda que neste mundo,
enquanto fantasmas desossados,
descarnados, desfigurados,
que berram na tentativa de evitar
a morte e de evitar, a todo custo,
a morte em vida.
Berramos em vão.
Não assustamos mais ninguém
com nossos berros.
São eles, antes,
os inassustáveis, que nos assustam.
A cada momento, tentamos aprender
a fazer, fantasmaticamente,
o improvável luto de nossas
mortes, o que, quando conseguimos,
é tão somente de um modo
individual, jamais coletivamente.
Nunca aprendemos a fazer
o luto coletivo do que matou
e torturou muitos de nós, nunca
aprendemos a fazer a luta coletiva
contra nossa história de horror,
que permanece torturando e matando.
Os torturadores e assassinos
estão vivos, viveram em família
sem ser incomodados, falam
em nome da família e de Deus.
Este crime hediondo não pode entrar para o rol de crimes insolúveis.
Eles não podem continuar impunes, andando, livremente pelas ruas e shoppings de nosso país, para destruir outras famílias.
Quando se perde os pais, perde-se o passado, quando se perde um filho, perde-se o futuro.
Quem ainda está vivo não diga o que é seguro não é seguro, as coisas não continuarão a ser como são depois de falarem os dominantes falarão os dominados.
Assim como o sangue de Abel clama por justiça, o sangue de Lucas clama pela terra, o sangue de Cristo faz a reconciliação com o mundo.
Há sangue no grito rasgado da garganta que arranha.
Há sangueda voz que me calam, da voz que me escorre sangra e apanha.
Há sangue nas mãos deles e de todo vermelho luta da voz calada de Lucas terra.
O secretário do diabo e seus dois  demônios continuam com títulos de pastores esperando uma próxima ovelha para levar ao matadouro,
ao abatedouro.
A matança. 
Ao extermínio. 
A carnagem.
A carnificina. 
Ao morticínio. 
Ao occidio.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Escolhas lúcidas

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Agosto 
Hoje recebi flores!. 
Não é o meu aniversário
ou nenhum outro dia especial;
tivemos a nossa primeira discussão ontem à noite,
ele me disse muitas coisas cruéis que me ofenderam de verdade.
Mas sei que está arrependido e não as disse a sério,
porque ele me enviou flores hoje.
Não é o nosso aniversário ou nenhum outro dia especial.
Setembro. 
Ontem ele atirou-me contra a parede e começou a asfixiar-me.
Parecia um pesadelo,
mas dos pesadelos nós acordamos
e descobrimos que não é real.
Hoje acordei cheia de dores e com golpes em todos lados.
Mas eu sei que está arrependido
porque ele me enviou flores hoje.
E não é Dia dos Namorados ou nenhum outro dia especial.
Outubro. 
Ontem à noite bateu-me e ameaçou matar-me.
Nem a maquiagem ou as mangas compridas poderiam ocultar
os cortes e golpes que me ocasionou desta vez.
Não pude ir ao emprego hoje
porque não queria que se apercebessem.
Mas eu sei que está arrependido
porque ele me enviou flores hoje.
E não era Dia das Mães ou nenhum outro dia.
Minha mãe disse-me que é no não medo que as pessoas precisam fazer às escolhas lúcidas.
Novembro. 
Ontem à noite ele voltou a bater-me, mas desta vez foi muito pior.
Se conseguir deixá-lo, o que é que vou fazer?.
Como poderia eu sozinha manter os meus filhos?.
O que acontecerá se faltar o dinheiro?.
Tenho tanto medo dele!.
Mas dependo tanto dele que tenho medo de o deixar.
Mas eu sei que está arrependido,
porque ele me enviou flores hoje.
Dezembro. 
Hoje é um dia muito especial: é o dia do meu funeral.
Ontem finalmente ele conseguiu matar-me.
Bateu-me até eu morrer.
Se ao menos tivesse tido a coragem e a força para o deixar...
Se tivesse pedido ajuda profissional...
Hoje não teria recebido flores!.


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