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A morte de José Pepe Mujica não pode passar sem que se promova um ritual.
Não basta uma nota oficial,
meia dúzia de manchetes e tuítes emocionados.
A perda de Mujica exige algo muito maior, mais simbólico.
Devia-se convocar um Conclave.
Não em uma basílica, é claro, mas na sua chácara.
Aquela com o fusquinha azul encostado sob a árvore e o mato disputando território com as ideias.
Um Conclave laico, sem batinas,
mas com ponchos.
Os pouquíssimos combatentes da paz, da concórdia e da justiça social viriam de todos os cantos do mundo.
Um camponês da Bolívia,
uma professora das favelas do Rio,
uma ativista do Congo e talvez até um monge zen que um dia leu Pepe e pensou: "Então é assim que se vive o Dharma com mate na mão".
Lá estariam, reunidos em volta do fogo, discutindo o futuro da solidariedade com o protocolo que só se tem quando há assado de ovelha na brasa e copos de caña circulando.
Em meio a reflexões, eles discutiriam quem herdaria o bastão invisível de Mujica.
Esse instrumento etéreo que serve menos para governar e mais para acenar à humanidade.
A pergunta a ser feita pelos membros do concílio: quem agora irá olhar para o mundo, enrugar a testa, suspirar fundo e dizer coisas simples que ninguém mais tem coragem de dizer?.
Porque Mujica não foi só um ex-presidente.
Era quem dizia mais com um sussurro do que mil posts.
Era o político que, em vez de inaugurar estádios, inaugurava silêncios constrangedores em reuniões de cúpula com frases como:
"O ser humano não nasceu para o mercado.
O mercado nasceu para o ser humano."
Morreu Mujica?
Não.
Mujica virou verbo:
Mujicar: v. tr.
Viver com sobriedade e dignidade;
Desagradar usurários e encantadores de capital;
Plantar flores na cova do cinismo.
Portanto, enquanto não surge um novo nome para levar adiante sua mensagem urbi et orbis, cada um de nós pode se voluntariar a ser um Mujica provisório.
No trânsito,
no trabalho,
na próxima discussão sobre política no grupo da família.
Respirar fundo e perguntar: o que Pepe faria?.
Talvez ele não tivesse todas as respostas, mas certamente teria um olhar que nos faria tentar encontrar as nossas.
Descanse em paz, Mujica.
Mas o habemus ainda vai demorar.
Isso porque talvez, no fundo, sejamos nós o fogo que precisa acender.