terça-feira, 21 de maio de 2024

O homem como natureza e espírito

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O verdadeiro homem é o homem selvagem, que se relaciona com a natureza como ela é e como ela sempre foi. 
Assim que o homem aguça a sua inteligência, desenvolve as suas ideias, maquinar em segredo a sua execução  e a forma ou adquire novas necessidades, a natureza opõe-se aos seus desígnios em toda a linha.
Opondo aos seus desígnios só lhe resta violentá-la, continuamente.
No entanto a natureza, pelo seu lado, também não fica quieta.
Se o homem suspende por momentos o trabalho que se impusera, a natureza torna-se de novo dominadora, invade-o, devora-o, destrói ou desfigura a sua obra temporária.
Que importam às estações, ao curso dos astros, dos rios e dos ventos e tantas outras maravilhas da arte?.
Um tremor de terra ou a lava de um vulcão reduzem-nos a nada;
os pássaros farão os seus ninhos nas suas ruínas; os animais selvagens irão buscar os ossos dos construtores aos seus túmulos levemente abertos. 
Tudo o que o homem constrói é, como ele, passageiro, temporário, transitório; o tempo derruba os edifícios, os templos e às catedrais, atulha os canais, apaga o saber  e até o nome das nações.
Mas o homem está longe de receber a súmula dos conhecimentos acumulados pelos séculos que o precederam e se aperfeiçoa algumas dessas invenções no que diz respeito a outras fica bastante atrás dos seus próprios inventores; um grande número dessas invenções chega mesmo a perder-se.
Determinada invenção, suprimindo ou diminuindo o trabalho e o esforço, enfraqueceu a dose de paciência necessária para suportar as contrariedades ou a energia que temos de dar provas para as vencer.
O homem vai buscar à natureza venenos como o tabaco para dele fazer instrumento de prazer grosseiros, sendo castigado com a perda da energia e o embrutecimento.
Nações inteiras vivem hoje como párias, devido ao uso imoderado destes estimulantes ou dos licores fortes.
O enfraquecimento geral, que é provavelmente o resultado do progresso dos prazeres, arrasta uma rápida decadência, o esquecimento do que fora a tradição conservadora ou o ponto de honra de uma nação.
É numa situação como esta que se torna difícil resistir aos invasores.
Há sempre um povo qualquer  sedento por seu turno de prazeres, pura e simplesmente bárbaro, ou que conserva ainda qualquer mérito ou espírito de iniciativa disposto a aproveitar-se dos despojos dos povos degenerados.
Esta catástrofe, facilmente previsível, torna-se por vezes uma espécie de rejuvenescimento para o povo conquistado.
É um pouco o que sucede com a tempestade que purifica o ar depois de o ter convulsionado; esse turbilhão parece trazer novos germes ao solo gasto e de tudo isto pode ser que nasça uma nova civilização, serão no entanto necessários séculos para que floresçam de novo as doces artes, que acabarão por abrandar os costumes e os corromper de novo, ritmando essas ternas alternativas da grandeza e de miséria em que transparece tanto a fraqueza humana como o poder singular do seu espírito que, segundo os antigos, regia o destino de um indivíduo, de um lugar ou que se suponhava um elemento da natureza, ou inspirava as artes, as paixões, os vícios etc.

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